segunda-feira, 22 de março de 2010

Vergonha alheia: questão de bom senso

(este texto foi escrito domingo, 21/03 e postado na segunda, 22/03)

Ontem foi um dia atípico, sábado e pela primeira vez em muito tempo, a noite eu fiquei enclausurado em casa, estou em São Paulo, e digamos que a locomoção aqui é um pouco mais complicada, mas posso certificar que é muito mais divertida, fato este que comentarei mais abaixo. Decidi voltar a jogar vôlei por minha faculdade, fui ao primeiro treino ontem, definitivamente as coisas são mais fáceis quando temos alguns quilos a menos, o que fez convencer-me de que isso tem certa urgência. Mas deixemos assuntos traumáticos para outro momento, hoje é domingo, dia de relaxar e ler algo mais divertido.


Fui ao treino que se iniciou às 14h, batemos uma bola não tão a sério já que era um dia pós-ressaca para os outros jogadores (teve uma festa do Mack ontem), passado esse torturante e prazeroso tempo fui embora, passei no Pão de Açúcar, comprei uma água mineral e desci até a estação Santa Cecília, eu tenho um imã particular para metrôs darem problema, assim que cheguei à plataforma anunciaram que os trens estariam com dificuldade e demorariam um pouco, o triplo do habitual, sentei-me então cheirando a futebol, e inundado pelo meu próprio suor que revelava um homem cansado (entenda-se sedentário). Aguardei alguns trens na vã esperança de dar uma esvaziada e não precisar compartilhar meu exalar de atleta, não esvaziou, mas amenizou, e entendi que aquela espera tinha um propósito, e pra variar um propósito cômico.


Estava eu em pé, escorado na parede que dá pra cabine do maquinista, vagão este que geralmente os deficientes físicos usam, não me caracterizo um deficiente físico, mas na situação pós-treino, o meu reflexo era tão bom quanto de um cadeirante, apareceu então em uma das estações um rapaz com a perna machucada, e com uma muleta, tinha junto consigo outra muleta também: sua namorada. Até então, nada me chamou atenção, quer dizer, quase nada, a muleta humana usava dois coques no cabelo, um em cada extremidade da cabeça, ri internamente, mas o hilário estava por vir, com todo seu charme e seu penteado a La Jassa, ela agarrou seu namorado e sem constrangimento algum começou a cantar uma música de Sandy no pé do seu ouvido, porém em tom suficiente audível para mim, tentei, juro que tentei, mas não deu, soltei uma risada que chamou atenção do vagão todo, exceto do casal apaixonado, não achem a atitude dela pouco ousada nem a minha de um paspalhão que ri à toa, até desconsiderei sua falta de afinação, mas não consegui me conter em ouvir “era uma vez, um lugarzinho no meio do nada, com sabor de chocolate...” cantado em voz de bebê, que ficava mais ou menos assim: "ela uma veiz um lugaizinho nu meio du nada, com saboi de chocoiate..". Todos nós sabemos como uma mãe fala com um gatinho, ou quando alguém imita uma criança pra fazer um dengo, desse jeito, ela cantava assim ao pé do ouvido do rapaz.


Dizem que depois de um ataque de riso, sempre vem um pesar. Uma idéia como depois de uma tempestade sempre vem uma bonança e coisas do gênero. Identifiquei que sempre depois da minha diversão em virtude de gafes de terceiros bate aquele sentimento maléfico: vergonha alheia. Conhece? Segundo eu mesmo só pessoas de bom senso têm esse dom, dom martirizante, mas dom. Se não sabe do que falo, é porque você é mais egoísta que eu, seu caso é praticamente incurável, agora se sabe, é hora de entender meu desabafo. Eu tenho vergonha pelos outros, sim, confesso, e o pior, acho que por muitas vezes, e não são poucas, sinto mais vergonha do que o maldito que deveria sentir. Meu caso é tão grave que chego a ver TV e sentir vergonha pelo indivíduo ridículo que sequer sabe que existo, a ponto de ter que trocar de canal. Tenho vergonha de perguntas imbecis desferidas em momentos impróprios, tenho vergonha de atitudes bestas e meu rosto ruboriza quando alguém leva um baita tombo na rua, muitas vezes dou pequenas risadas, mas a vergonha ainda é maior. Por que será que alguns têm isso? Será apenas nosso bom senso? Será uma transposição pessoal? Uau, acho que estou me curando, me pondo no lugar de outras pessoas! Definitivamente este divã surte efeito.


Só sei que mesmo que minha vergonha alheia seja de fato uma terceirização, tenham certeza que em momento algum eu gostaria de estar na pele da pseudo-cantora Sandy do Metrô, ao me esquivar da situação fui mais para o meio do vagão, foi quando alguém me pegou de leve pela cintura, pensei comigo, mal comecei a treinar e já estão me cobiçando, quando olhei para trás, uma senhora de seus cento e cinqüenta anos e com a menor possibilidade de ter qualquer pretensão libidinosa me usava como um suporte para não levantar um tombo. Cheguei à conclusão que o treino me emagreceu mesmo, afinal não é todo dia que sou confundido com um cano de segurança.


Se sábado foi atípico, domingo também não ficou aquém. Ainda hoje postarei algo sobre “Solidão”, já em concepção.


Paz.

2 comentários:

  1. faço parte desse rol, tb sinto uma baita vergonha alheia, rs...

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  2. desculpa, mas a parte - "afinal não é todo dia que sou confundido com um cano de segurança" - me fez rir feito besta... queria que fosse a Sandy te pegando leve pela cintura né??

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