terça-feira, 6 de julho de 2010

Conto: Paixão, lições e dor (parte 1)

Não me recordo de pior época. Há quem se reclame de épocas de recessão, grande inflação e problemas políticos, não os julgo pequenos, mas certamente eles não proporcionam as dores que senti naquele dia. Dizem que em meio à dor nos conhecemos melhor. Tive que viver para acreditar.

Tenho uma virtude dolorida: entregar-me sempre, e por ela saber disso, senti que Raquel protelou um fim certo, garanto que não tenho premonições, mas sabia que o dia “d” chegaria. Enfim, chegou. Algo foi retirado de mim, senti-me mais leve, não por alívio, antes fosse, mas porque sentia que algo bom dentro de mim desintegrava. Era o fim. E agora? Fiquei pensando o que fazer com meus planos, como poderia vislumbrar outra mulher naquele vestido de noiva? Como recomeçar a sonhar? Será que eu saberia fazer isso de novo? Sonhar! Os sonhos já estavam prontos, bastava concretizá-los. Definitivamente não pensava em recomeço, o fim era mais amado por mim.

Lembro-me vagamente do que Raquel me disse, podemos ser amigos, vou eternizar o que vivemos... Apenas uma frase martelou-me bruscamente: “Sei que será feliz!” Como? O que eu chamava de felicidade estava escorrendo para sempre de minhas mãos. O que eu fiz de errado?

“O que eu fiz de errado?” perguntei para Clara.

Clara e eu éramos como irmãos, desde o oito anos íamos juntos para a escola, me rendia a ser papai nas brincadeiras de casinha a troco de um gol a gol depois. Clara teve a solidariedade nada peculiar de uma criança: brincar de bola, ouvir bobagens que só um garoto poderia ouvir e abrir mão de suas vontades para me agradar, às vezes penso que me sujeitava a ser papai em suas diversões não por sua insistência, mas sim porque eu tinha algum senso de que ela deveria se individualizar também, mas desde cedo vi que Clara nutriu a necessidade de cuidar de mim.  Ela sempre previu o término entre mim e Raquel, eu detestava isso, ela sempre acertava. A minha paixão contradizia a verdade de Clara. Aprendi com ela a suspeitar da paixão.

Clara foi meu apoio, foi um ombro, um ouvido e mais que uma amiga. Chorou comigo e riu de mim. Fiquei chateado, ela notou e logo desfez o sorriso. Ela me perdoou pela distância que criei por causa de Raquel, me fez enxergar minhas tolices e me obrigou a prometer nunca mais errar dessa maneira. Ela teve o cuidado de me permitir errar novamente, mas me forçou a aprender lições comigo mesmo, alegou que eu já tinha vinte e três anos, e que era hora de aprender algo. Fui obrigado a concordar.

A noite era mais doída. Doía como uma friagem, me sentia nu, me sentia sem mim. Não hesitei em pegar o telefone. Disquei para Raquel. Antes de completar a ligação, me arrependi, desliguei, tive que me refugiar. Alô Clara? Preciso de palavras certas... Após nossa conversa podia não estar aquecido como se estivesse diante de uma lareira, mas meus pés estavam quentes, um alívio! Obrigado Clara, volte a dormir.

Os dias foram passando, as noites automaticamente iam se aquecendo. Resolvi comer uma pizza, Clara como na infância, mais uma vez não falou não para mim. Conversamos, rimos, caçoamos de um senhor ao lado de nossa mesa com uma imensa peruca preta, que mais parecia uma taturana. Pedimos para o cantor fazer Let it be, eu sempre detestei Beatles, mas esse era um daqueles pequenos esforços que eu fazia para respeitar a individualidade dela. A noite foi bastante divertida, ao sair da pizzaria parei. Olhei para Clara e inconseqüentemente falei: Clara, notou que não falei sobre Raquel? Pelo desdém de seu olhar entendi que não era mesmo para falar sobre ela. Minha amiga me conhecia mais que eu mesmo. Decidi confiar.

No caminho de volta para casa fingimos uma briga para ver qual CD ouviríamos. Fomos obrigados a ouvir FM como um ponto de equilíbrio, Tim Maia cantava. Quando o inverno chegar, eu quero estar junto a ti...

- Clara, me diga algo.  - Falei isso levando nossa brincadeira do CD para algo sério.

- Hum. - Sussurrou ela enquanto cantava junto com o rádio.

- Por que nunca namorou?

Surpresa, Clara esperava uma reclamação da pizza de mussarela e não algo tão pessoal.

- É... – hesitou – Acho que não chegou minha hora. A pizza de mussarela estava péssima, não?

Toquei em algo errado. Assenti com a cabeça e fiquei envergonhado, não pela pergunta indiscreta, afinal Clara era minha amiga, me envergonhei por não saber nada dela, pelo fato de ser egoísta e deixar que ela cuidasse de mim, e eu sequer esboçar um esforço para conhecê-la. Clara me ensinou no seu silêncio, o maior princípio do relacionamento: Saber que nele somos dois.

Fomos em silêncio para casa. Deixei Clara em sua casa, três abaixo da minha. Tranquei-me no meu quarto. Pensei em Raquel, e pude enfrentá-la sozinho. Orei baixinho e pedi para Deus que eu aprendesse um pouco sobre compreensão. Deus estava prestes a me passar a prática.

continua...

5 comentários:

  1. estou ancioso pela parte 2, lindos seus textos!!

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  2. "o maior princípio do relacionamento: Saber que nele somos dois"... arrasou!!!

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  3. É uma história real ou hipotétic? =)
    Ta massa!

    by Nosferatu

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  4. é um romance... não é real, mas não é de todo ficção.

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