segunda-feira, 26 de julho de 2010

Conto: Paixão, lições e dor (parte 6)

Raquel não era do tipo de pessoa que pede redenção. Era claro como ela entendia a vida, um misto de negócios e sentimentos, ela não conseguia entender a vida com seus paralelos, e certamente se fosse fazer uma analogia sobre seu coração, ela não titubearia em usar a bolsa de valores como sua metáfora para o amor. Novamente não estava fazendo diferente.

Raquel queria mostrar poder, queria mostrar suas conquistas e discorreu por muito tempo seus trabalhos, detalhou em minúcias um projeto que lhe rendeu um prêmio em dinheiro que ela usou para trocar seu carro. Eu apenas assentia com a cabeça, soltando alguns risos forçados. Estava diante de Raquel e aquele encontro foi diferente do que eu havia vislumbrado. Achava que teria sérias reações e que imploraria uma volta. Eu amava Raquel, por que não sentia aquilo agora?

- Hei, por que está tão calado? Você está bem? – Raquel perguntou com um sorriso no canto da boca. Eu sempre me preocupei com Raquel, e me atinha aos pequenos detalhes, sabia que quando seu sorriso era levado para o canto da boca, ela estava perguntando algo a menos do que queria saber. Detalhes que só quem ama sabe o que é.

Retribui o sorriso e respondi.

- Impressão tua! Trouxe o cheque da pensão do Hércules? – Uma piada para quebrar o gelo. Nós dois rimos. Raquel entendeu que seria melhor ela perguntar do nosso dálmata.

- Ah, preciso do exame de DNA, ele não se parece em nada comigo. – Rimos.

Abri a portas que dá para o quintal, chamei por Hércules, ele veio correndo na esperança de um prato de ração, olhou para mim abanou seu rabo, então apontei para Raquel, que estava dentro da cozinha. Hércules sempre pulava nela, mas dessa vez foi diferente, cheguei a pensar que ele estava gelando Raquel pelo o que ela me fez sentir neste tempo. Raquel foi até ele, deu uns dois beijinhos em sua testa e o deixou correr pro quintal. Esse foi o único contato dos dois.

Estávamos Raquel e eu olhando para o Hércules correr pelo quintal, então Raquel pegou no meu braço e disse que precisava falar comigo. Fomos até a sala e sentamos no sofá de couro preto, gelado como sempre.

- Bom, sei que já tem um tempo desde que terminamos. Acredito que não tenha sido da melhor forma e confesso que carrego comigo certa culpa. – Aquilo não era uma declaração típica de Raquel. Assustei, mas em breve ela mostraria algo mais natural dela. – Sabe, eu sinto falta de você, mas você não me deu opção, tínhamos que ter acabado, sua distância, sua ausência, mas vejo que esse tempo foi o suficiente para entendermos que temos que ficar juntos.

- Hei Raquel. Acho que não estou entendendo. Você veio até aqui para me dizer que eu estou errado, e que posso rever isso? Você veio me oferecer uma chance? – Falei polidamente, mas ela havia me deixado feroz. Raquel havia acabado de oferecer esmola a alguém que não era mendigo.

- Não. Me entendeu mal. A gente pode recomeçar.

- Raquel. Tudo o que tenho sonhado desde que terminamos é esse dia, o dia em que você visse que poderíamos nos entender. Mas Raquel – respirei fundo – você conseguiu acabar com todo o encanto. Definitivamente não sei o que te dizer... Só saiba que o mundo não conspira a seu favor, e que não se conserta esse estrago que você fez em mim simplesmente me dando a oportunidade de estarmos juntos novamente, e aquele outro homem? – Não consegui segurar uma única lágrima que escorreu.

- Veja bem. O Henrique foi necessário na minha vida para que eu crescesse emocionalmente. Ele fez parte de uma emancipação pessoal.

- Merda! – Me surpreendi com que disse. – Quando você vai conseguir admitir um erro seu? Único e exclusivo seu? Raquel, por favor, seja alguém diferente! – Eu já não era mais tão polido. Henrique era o seu nome. – Cansei de ver você profissionalizar a vida, e se por como chefe diante de todas as situações. Nem sei se essa conversa sua é um pedido de volta, não posso negar que é tudo o que eu queria, mas eu preciso pensar sobre isso.

- Okay. Me desculpe a petulância, quero você de volta mesmo. Vou embora, posso esperar sua ligação?

- Sim.

Raquel pegou sua bolsa. Me deu um beijo longo no rosto, meu coração gelou e tive lembranças. Lembrei de nosso primeiro beijo. Tínhamos ido ao cinema ver uma animação qualquer, Raquel sempre gostou de desenhos animados, me parecia sua fuga infantil para o mundo tão competitivo que ela criava. Ao sairmos, quando estava passando os créditos, todos se levantaram. Eu fiquei sentado, ela me apressou, vamos. Sorri, segurei na sua mão e pedi para que ela me amasse. Foi nosso primeiro beijo. Retirei uma mecha de cabelo que estava sobre seu rosto, toquei carinhosamente seu rosto que já estava corado nas maçãs. Juro te amar! Aquele momento foi eternizado, na saída do cinema, comprei um sonho de valsa para Raquel, depois de comer o bombom, ela deu um nó na embalagem e me devolveu. Tenho até hoje guardado esse mimo. Tão pequeno e tão valoroso, era uma ótima recordação.

Assim que me afastei de Raquel, senti a necessidade de ter que abraçá-la novamente. Abracei, não disse nenhuma palavra, não queria beijá-la, apenas queria senti-la. Sentia algo dentro de mim que me dizia ela é sua, ela é sua. Por um tempo fiquei assim. Então meu celular tocou. Desvencilhei dela, fitei-a com olhar meio sonso, ela fez movimento como quem se prepara para ir embora.

- Espere Raquel. – Peguei o telefone, olhei no identificador e me assustei, Clara! Como poderia, ela estava em coma? Olhei novamente para Raquel. – É Clara, uma amiga!

Obviamente que Raquel nunca saberia quem era Clara, sempre soube da preocupação de Raquel com meu círculo de amizade, e saberia que qualquer mulher que esboçasse um mínimo de interesse por mim, mesmo sendo amistoso ou mesmo materno, era pretexto para uma longa briga. Poupei Raquel de saber de minha amiga, assim como me afastei de Clara também. Me recordo de pequenos gestos de ciúmes de Raquel quando minha mãe se aproximava de mim para um simples beijo afetuoso. Mas algo me impressionou com essa ligação.

Assim que mencionei o nome de Clara, Raquel estampou em seu rosto uma reação dantes nunca vista por mim. Estranhei. Parecia que ela sabia de algo, que me escondia algo e que deveria fugir daquela situação para não ter que me explicar o porquê desta atitude diferente. Me dividi entre atender o celular e interrogar Raquel. Atendi.

- Alô? Clara? – uma voz conhecida do outro lado me respondeu. – Oi Rose. Tudo bem sim.

A irmã de Clara, Rose, me ligou do celular de Clara, queria me dar notícias sobre ela, disse que ela havia demonstrado considerável melhora, e que pensou em me ligar porque em um momento de clareza rápida Clara havia dito meu nome. Fiquei encabulado, sei que corei, então chorei, senti saudades da minha amiga, senti um misto de culpa por não ter o que fazer, pensei o que ela faria se fosse o inverso. Desliguei o celular. Olhei para o alto como se fosse encontrar algo, então voltei meus olhos para porta, onde Raquel estava ao atender o telefone. Então vi que Raquel tinha ido embora. Assim, sem pestanejar ela havia desaparecido de lá. O que será que aconteceu?

Liguei para o celular de Raquel. Tentei três vezes, ela não atendeu. Deixei um recado na caixa postal. Assim que puder, me ligue, por que saiu correndo assim?

Confesso ter achado aquela atitude demasiadamente estranha. Raquel nunca fugiria de algo que era visível que me perturbava. Ela não sabia quem era Clara, aquele aspecto intrigante e duvidoso de seu rosto me deixou perdido em pensamentos que julgava ser impossível. Não... não... Será? Acho que vou tomar um café...

Prometi ligar para Raquel para dar-lhe uma resposta sobre nós, mas agora além desta resposta eu também tinha uma pergunta, aparentemente tola, mas não viveria sem saber.


continua...

Um comentário:

  1. A parte do primeiro beijo fico muito massa!... eta nóis.. um salve pro love!!

    by Demagogics

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