sábado, 31 de julho de 2010

Conto: Paixão, lições e dor (Parte 7)

Já pela manhã tentei falar com Raquel, liguei várias vezes. Ela parecia decidida a não me atender. Eu sabia que devia uma resposta a ela sobre nossa possível volta, mas eu definitivamente não estava disposto a falar, a pensar ou a vislumbrar algo sobre isso. Nunca enxerguei muitas virtudes em mim, mas uma era certa, eu sabia priorizar, e naquele momento não pensava em outra coisa a não ser minha amiga Clara e aquela atitude infantil de Raquel de se esquivar daquela ligação. Depois de inúmeras tentativas, mandei um SMS para ela. “Raquel? Câmbio!”

Decidi naquela tarde de domingo fazer uma visita para Raquel, me vesti. Escolhi um jeans claro, tênis Adidas preto e uma camiseta com o rosto de algum artista que não recordava o nome, tinha ganhado da minha mãe, uma camiseta nostálgica com ela. Pus o fone no ouvido, escolhi uma música que me deixasse pra cima, minha playlist não estava muito farta, optei por ouvir uma rádio qualquer. Ao abrir a porta da sala, passei pelo caminho que levava da sala até o baixo portão da minha casa, esse caminho era cercado por pedras coloridas. Me lembro que quando criança eu brincava sempre por lá, e aquele caminho tomou muito mais encanto quando conheci a história do Mágico de Oz. Incrivelmente eu andava agora como aquele leão, procurando um coração mais humano, apesar dele querer ter um coração verdadeiro, coisa que eu tinha, não me via diferente, ambos queríamos fazer algo diferente com nossos corações. De repente pisei em algo, retirei logo o pé, pois senti que se forçasse o passo ela quebraria. Era um aparelho celular, eu conhecia aquele aparelho.

Retirei rapidamente o fone de ouvido, como quem quer abrir espaços para entendimento das coisas externas. Abri o celular e não tive dúvida, era o celular de Raquel, no visor indicava várias ligações não atendidas e sinais de mensagens de voz e de texto, no plano de fundo via a foto de um rosto sorridente que remetiam a uma gueixa, Raquel. Entendi porque ela não havia me atendido. Raquel não é o tipo de mulher que foge de confrontos, ela pode até titubear, que de fato havia acontecido, mas ela não correria eternamente como parecia estar fazendo, cedo ou tarde os problemas deveriam ser resolvidos, ela gostava que fosse cedo, isso ocasionava diversas decisões infantis e desesperadas, mas ela não sabia aprender com seus erros, muito menos gostava que tentássemos ensinar essa dádiva a ela.

Peguei o aparelho do caminho que levava à Terra de Oz. Entrei e novamente me vi sentado no sofá de couro, gelado como sempre. Acho que está na hora de trocar o sofá. Abri o celular, pensei em dar uma vasculhada inocente, menti para mim mesmo achando que invadir a privacidade de Raquel seria algo normal. Certamente brigava com algo mais forte que eu, então abri o celular, nenhuma mensagem, apenas a minha, nas ligações nada de interessante, apenas nome de mulheres, suas amigas, mas um número me chamou atenção. Sabia que ele não me era estranho, mas não conhecia o nome. Disquei do meu celular, me surpreendi, era o telefone de Matias. Desliguei antes de completar. Por que Raquel tem o número de Matias em suas ligações e ainda com outro nome? Seja como for, desisti de visitar Raquel, aquela era a prova fidedigna de que ela não seria transparente comigo. Pensei em como tirar essas dúvidas, a atitude estranha de Raquel quando falei de Clara, e agora esse contato com Matias, eles nunca haviam se encontrado. Existia um mistério no ar, eu estava disposto a entendê-lo. Farei discretamente!

Apertei novamente o send do meu celular. Chamando Matias Fat Family.

- Fala, maluco! – Matias atendeu, e não pestanejou em caçoar de mim. – Ainda está com a dor do amor?

Gargalhei e entrei no seu jogo.

- Fala, Fat!  Só sofre quem tenta, namorar um Playstation é mais fácil, concorda?

Matias riu e praguejou algum palavrão. Combinamos de nos encontrar no Bar Vermelho naquela tarde.

O Bar Vermelho era um lugar bastante aconchegante, sua entrada era quase impossível de ser vista, às vezes eu pensava que ele era como uma sociedade secreta, porque para chegar até ele, alguém precisaria apresentar sua entrada. Tornado era o dono do bar, certa vez eu descobri o nome verdadeiro de Tornado, era Altair, mas ele se negava a assumir e falava que se parássemos de insistir em saber seu nome, ele nos daria uma tequila. Nós parávamos, mas ele sempre colocava a tequila na nossa conta. Tornado era um cara bastante divertido e sempre tinha uma piada de argentino para nos contar, um homem excêntrico, hippie com seus cinqüenta anos, ouvia reggae e sempre que eu pedia para mudar a música, ele me xingava de capitalista doente, magricela e contador de histórias, seus cabelos ruivos iam até os ombros, e sempre dizia que tinha adquirido aquela cor no cabelo por causa de seu contato com o Deus-Sol! O bar não se chamava Vermelho apenas por sua cor de cabelo, Tornado tinha um drinque especial que não revelava a receita para ninguém, e toda vez que algum novo visitante era iniciado naquela “sociedade secreta” ele oferecia um desse drinque antes de qualquer outra bebida, e se o iniciado não aceitasse, era a maior desfeita, lembro de várias vezes ter visto Tornado mandar novos clientes embora porque se recusavam a beber seu drinque vermelho.

Cheguei antes que Matias no Bar do Vermelho. Sentei no balcão, e pedi uma dose do líquido secreto do Tornado. Pedi que ele colocasse uma música do Gilberto Gil, apenas olhou para mim com desdém. Matias então chegou, já gritou de longe e falou para Tornado trazer uma cerveja gelada.

Matias era uma pessoa bastante diferente. Éramos amigos há tempos. Nos conhecemos quando jogávamos futebol para o time de nossa cidade, ele era o goleiro. Fatidicamente paramos, mas amizade perdurou, sempre nos falávamos e nosso ponto de encontro era o Bar Vermelho, o tempo não foi muito bom para a estética de Matias, ele engordou absurdamente e assim adquiriu o apelido de Fat Family, ele não parecia ligar, e isso me fazia admirá-lo mais. Ele sempre era o garoto mais assediado do time, as meninas tiravam fotos com ele, gritavam seu nome e ele nunca pareceu se importar, seus games de mão eram mais importante. De fato, Matias era um garoto diferente, tinha uma coleção de vídeo game, e sempre que eu podia, ia até sua casa paga jogar Atari. Ele não era muito alto, usava óculos estiloso, e se vestia de preto, achava ser um roqueiro. Sua cara era bastante redonda, e sazonalmente o chamava de Trakinas, seus olhos pareciam como de um mangá, garanto que eles eram incisivos e denunciavam sempre se Matias acreditava ou não no que falavam a ele. Matias sabia enganar aos outros, mas seus olhos o entregavam. Ele deu o primeiro gole na sua cerveja. Fui indireto.

- A Raquel esteve em casa ontem.

- Voltou a madame? O que ela queria?

- Conversamos sobre Hércules, acho que ela quer voltar comigo. Ninguém agüenta meu charme. – Brinquei. – Você precisa conhecê-la pra me dar sua posição. – Joguei com Matias, na esperança que ele começasse a falar sobre o contato dele com Raquel.

- Se ela souber jogar GTA, eu aprovo, do contrário...

- Matias, sem rodeios. – Levei a conversa para um tom mais sério. – Por que ela tem telefonado para você?

Matias procurou palavras, e tomou outro gole de cerveja para o tempo conspirar a seu favor.

- Ela... Bom, ela queria saber sobre você.

Comecei a observar seus olhos.

- Ela comentou algo sobre a Clara? Sobre o que aconteceu com a Clara?

- Mas o que aconteceu com a Clara?

Percebi que algo de estranho estava acontecendo, eu havia conversado com Matias sobre o ocorrido com Clara por MSN, visivelmente ele tinha se esquecido desta conversa e resolveu mentir para mim.

continua...

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